No domingo, o presidente da Bolívia, Evo Morales, de 56 anos viu ameaçada a possibilidade de disputar mais um mandato presidencial, após um referendo no qual sua proposta teria sido derrotada.
Quando Evo propôs o referendo, no ano passado, o "sim" à reforma constitucional para que ele se candidatasse em 2019 – para o quarto mandato seguido – registrava cerca de 70% de intenção de voto.
Os últimos dados oficiais preliminares e de institutos de pesquisa indicaram, porém, que o "não" poderia ter vencido o "sim".
De acordo com pesquisas recentes, Evo conta com cerca de 60% de apoio popular, como informou o instituto Equipos Mori, da Bolívia. Este apoio não teria sido transferido, porém, para o voto de respaldo à sua continuidade na Presidência até 2025.
Nas últimas duas semanas, ele foi citado em um suposto caso de tráfico de influência envolvendo uma ex-namorada ligada à uma empresa chinesa com contratos milionários de obras públicas com o governo, como informou a imprensa local.
Paciência
Nesta segunda-feira, em entrevista em La Paz, Evo disse que vai esperar o resultado "com paciência" porque ainda falta a apuração, disse, das áreas rurais – as mais carentes e onde mantém maior fidelidade eleitoral.
"Evidentemente não nos querem muito nas cidades. E além disso, a oposição e nas redes sociais apelaram à guerra suja", disse.
No Chile, a presidente Michelle Bachelet, de 64 anos, viu sua popularidade encolher, pouco depois de retornar ao palácio presidencial La Moneda, em março de 2014.
O filho dela, Sebastián Dávalos, e a esposa dele foram acusados de suposto tráfico de influência em um caso que ficou popularmente conhecido como "noragate". Outros escândalos envolveram políticos da sua base governista e empresários locais.
O índice de rejeição à presidente teria batido em dezembro passado o recorde de 70% de suas duas gestões (2006-2010 e 2014-2018), segundo levantamento da empresa de opinião Gfk Adimark.
A situação, em termos de respaldo popular, não é diferente na Venezuela, onde Nicolás Maduro, de 53 anos, foi derrotado na eleição legislativo de dezembro passado.
Segundo o instituto Datanálisis, de Caracas, a popularidade de Maduro giraria em torno dos 25%.
Cristina e Macri
Já na opinião do analista argentino Roberto Bacman, do centro de pesquisas e opinião pública CEOP Latam, de Buenos Aires, os eleitores parecem sugerir que estão cansados de partidos ou líderes que estão há muito tempo no poder e querem mudanças.
"Com Evo, a Bolívia teve grandes avanços econômicos e sociais e acho uma questão menor esse episódio da namorada. O que percebo na região é que as pessoas querem alternância no poder", disse Bacman.
Para ele, esta demanda por "alternância e gestão econômica" resultou na derrota do candidato da ex-presidente Cristina Kirchner - e na vitória do presidente argentino Maurício Macri, em novembro passado. "Cristina tinha altos índices de aprovação popular, mas os eleitores mostraram que queriam alternância", disse.
Bacman entende que hoje a região sinaliza estar "caminhando para a direita e com um eleitor cada vez mais exigente". Segundo ele, Macri mantém imagem positiva de cerca de 60%, mas percebe-se, disse, que as pessoas estão preocupadas com a inflação e o 'tarifaço' (aumento de luz e provavelmente de outros serviços). "E acho que muitos já devem estar arrependidos do voto que deram (em Macri)", disse.
Para a professora de política Latino-americana Alicia Lissidini, da Universidade San Martín, de Buenos Aires, a questão da popularidade "transcende a questão da direita e esquerda".
Na sua visão, o presidencialismo "muito forte" e os "partidos políticos fracos" acabam contribuindo para esta queda na popularidade, seja qual for a linha política do presidente em exercício.
Segundo ela, o eleitor não percebe uma mudança na forma de governar entre os governos de direita e de esquerda. E os países da região estão vivendo com "sociedades divididas", disse a especialista. "Estão os pró-Evo e contra-Evo os pró-Nicolas Maduro e contra Nicolás Maduro. Sociedades polarizadas", disse.
O professor de ciências políticas da Universidade Autonoma de Chile, Ricardo Israel, entende que, apesar de os países e líderes da região viverem situações diferentes, existe um elemento comum em todas elas.
"A palavra é desgaste. Desgaste de poder, da economia, do autoritarismo e da pouca credibilidade que alguns deles tiveram ao responsabilizar o inimigo interno ou externa como burguesia, poderes concentrados ou o imperialismo, mas principalmente a questão da corrupção", disse.
O economista e ex-deputado da esquerda Unidade Popular, de Buenos Aires, Claudio Lozano, entende que em particular os governos de esquerda sofreram com a queda nos preços das commodities que limitam os recursos para medidas de cunho social. "Mas também acho que os governos definidos como progressistas não aproveitaram a época da bonança para fazer as mudanças sociais e econômicas estruturais que nossos países precisavam", disse.
Por sua vez, de Cochabamba, na Bolívia, o pesquisador social Roberto Laserna, do Centro de Estudos da Realidade Econômica e Social (CERES), criticou o que chamou de "populismo".
"Acho que o populismo é o que os caracteriza. Populismo no fato de fundamentar sua popularidade na expansão do gasto fiscal, dando prioridade a uma relação direta dos governantes com a população, acima das instituições", disse Laserna.
Para ele, no caso da Venezuela, principalmente, onde o petróleo é a principal fonte do país, "os recursos públicos do governo estão agora limitados" e a economia está "asfixiada".
Desaceleração da economia
No entanto, dados oficiais da economia boliviana indicam crescimento médio de cerca de 5% nos dez anos de gestão de Evo, aumento de reservas no Banco Central, incremento no consumo e queda nos índices de pobreza.
Analistas trabalham porém com perspectiva de desaceleração da economia boliviana a partir deste ano. Na sua visão, a relação entre "populismo" e a economia é "menos visível" no Brasil, na Argentina e no Chile "porque suas economias são mais fortes e diversificadas".
Para o professor chileno de ciências políticas da Universidade de Valparaíso, Guillermo Holzmann, além da queda dos preços das commodities que influencia o comportamento das economias da região, "a corrupção" é outro fator a ser destacado nesta queda de apoio popular.
"Os países da América do Sul enfrentam com maior intensidade as implicâncias de um crescimento econômico não inclusivo, que mostram governos que não solucionaram problemas como a desigualdade e que são respingados pela corrupção e a ineficiência na aplicação de políticas públicas ou de reformas estruturais", disse Holzmann.
Para ele, os países da região "desfrutaram de uma década de crescimento econômico por suas exportações de recursos naturais e tentaram aproveitar os benefícios da globalização", mas, como Lozano, ele destacou a falta de "medidas mais profunda" para melhorar a vida e perspectivas das pessoas. "E isso gerou frustração entre os cidadãos", afirmou.
"Os governos de esquerda demonstraram que a administração do Estado/governo é ineficiente em relação às expectativas dos cidadãos, que a proposta ideológica que apresentaram não atende às expectativas e para completar os casos de corrupção geraram decepção entre os eleitores", disse.
Nenhum comentário:
Postar um comentário