Texto retirado da tradicional revista "
Isto é", que até pouco tempo atrás era apoiadora incondicional do governo do PT (é parece que apenas sobrou a fiel "
Carta capital"), texto assinado por
Sérgio Pardellas:
Fonte:
http://www.istoe.com.br/reportagens/424642_LULA+TREME
O ex-presidente Lula anda insone. Segundo
amigos próximos, o petista não consegue sossegar a cabeça no travesseiro
desde a prisão, há duas semanas, de Marcelo Odebrecht, presidente da
maior empreiteira do País, e do executivo Alexandrino Alencar,
considerados os seus principais interlocutores na empresa. Tem dormido
pouco. Nem quando recebeu o diagnóstico de câncer na laringe, em 2011, o
petista demonstrou estar tão apreensivo como agora. Pela primeira vez,
desde a eclosão da Operação Lava Jato para investigar os desvios
bilionários da maior estatal brasileira, a Petrobras, Lula teme amargar o
mesmo destino dos empreiteiros. Até um mês atrás, o ex-presidente não
esperava que sua história poderia lhe reservar outra passagem pela
cadeia. Em 1980, o então líder sindical foi detido em casa pelo DOPS, a
polícia política do regime militar. Permaneceu preso por 31 dias,
chegando a dividir cela com 18 pessoas. Agora, o risco de outra prisão –
desta vez em tempos democráticos – é real. Na quinta-feira 25, o tema
ganhou certo frisson com a divulgação de um pedido de habeas corpus
preventivo em favor do ex-presidente impetrado na Justiça Federal do
Paraná. Descobriu-se logo em seguida, no entanto, que a ação considerada
improcedente pelo Tribunal Regional Federal não partiu de Lula nem de
ninguém ligado a ele. Mas, de fato, o político já receia pelo pior. O
surto público recheado de críticas ao governo Dilma Rousseff e petardos
contra o partido idealizado, fundado e tutelado por ele nos últimos 35
anos expôs, na semana passada, como os recentes acontecimentos têm
deixado Lula fora do eixo.
FORA DO EIXO
Vivendo o pior momento de sua história, Lula atira contra a
própria obra. Pela primeira vez, o ex-presidente teme os
desdobramentos da Operação Lava Jato
Em privado, o ex-presidente exibe mais do
que nervos à flor da pele. Na presença de amigos íntimos, parlamentares e
um ex-deputado com trânsito nos tribunais superiores, Lula desabou em
choro, ao comentar o processo de deterioração do PT. Como se pouco ou
nada tivesse a ver com a débâcle ética, moral e eleitoral da legenda,
ele lamentou: “Abrimos demais o partido. Fomos muito permissivos”,
justificou. Talvez naquela atmosfera de emoção, Lula tenha recordado de
suas palavras enunciadas em histórica entrevista à ISTOÉ no longínquo
fevereiro de 78, quando na condição de principal líder sindical do ABC
paulista começava a vislumbrar o que viria a ser o PT, criado em 1980.
“Para fazer um partido dos trabalhadores é preciso reunir os
trabalhadores, discutir com os trabalhadores, fazer um programa que
atenda às necessidades dos trabalhadores. Aí pode nascer um partido de
baixo para cima”, disse na ocasião. Hoje, o PT, depois de 12 anos no
poder, não reúne mais os trabalhadores, não discute com eles, muito
menos implementa políticas que observem as suas necessidades. Pelo
contrário, o governo Dilma virou as costas para os trabalhadores,
segundo eles mesmos, ao vetar as alterações no fator previdenciário,
mudar as regras do seguro para os demitidos com carteira assinada e
adotar medidas que levam à inflação e à escalada do desemprego. Agora
crítico mordaz da própria obra, Lula sabe em seu íntimo que não pode se
eximir da culpa pela iminente derrocada do projeto pavimentado por ele
mesmo.
Restaram os desabafos, sinceros ou não, e a
preocupação com o futuro. Num dos momentos de lucidez, o ex-presidente
fez vaticínios impensáveis para quem, até bem pouco tempo, imaginava
regressar triunfante ao Planalto daqui a três anos. Em recentes
conversas particulares no Instituto que leva o seu nome, em São Paulo,
Lula desenganou o governo Dilma, sucessora que ele mesmo legou ao País.
“Dilma já era. Agora temos que pensar em salvar 2018”, afirmou
referindo-se às eleições presidenciais. Para o petista, a julgar pelo
quadro político atual, “teria sido melhor” para o projeto de poder
petista e da esquerda “que (o senador tucano) Aécio Neves tivesse ganho
as eleições” presidenciais do ano passado. Assim, no entender dele, o
PSDB, e não o PT, ficaria com o ônus das medidas amargas tomadas na
esfera econômica destinadas a tirar o País da crise, o que abriria
estrada para o seu retorno em 2018. Como o seu regresso não é mais favas
contadas, o petista tem confidenciado todo o seu descontentamento com a
administração da presidente Dilma. Lula credita a ela e ao ministro da
Justiça, José Eduardo Cardozo, o avanço da Lava Jato sobre sua gestão.
Embora essa hipótese ainda seja improvável, petistas ligados ao
ex-presidente não descartam a possibilidade de ruptura, o que deixaria a
presidente ainda mais vulnerável para enfrentar um possível processo de
impeachment. A atitude, se levada adiante, não constituiria uma
novidade. Em outros momentos de intensa pressão, como no auge do
mensalão e do escândalo do caseiro Francenildo, Lula não se constrangeu
em rifar aliados e até amigos do peito, como os ex-ministros José
Dirceu, Antonio Palocci e Ricardo Berzoini.
ISOLADA
A presidente tentou minimizar as declarações de Lula,
mas no paralelo mandou emissários procurá-lo
Quem testemunhou as confidências de Lula na
ampla sala de reuniões de seu Instituto, sediado na capital paulista,
não chegou a ficar surpreso com o destempero verbal apresentado pelo
petista na semana passada. Não se pode dizer o mesmo da maioria
expressiva da classe política, impossibilitada de privar da intimidade
do ex-presidente. De tão pesados e surpreendentes, os ataques de Lula a
Dilma e ao PT foram recebidos com perplexidade. O primeiro tiro foi
disparado na quinta-feira 18. Numa reunião com padres e dirigentes
religiosos, Lula admitiu, em alusão ao nível baixo do sistema da
Cantareira, que ele e Dilma estão no volume morto. “E o PT está abaixo
do volume morto”, avaliou. Na segunda-feira 22, Lula elevou ainda mais o
tom. Só que contra o PT. Em debate com o ex-presidente do governo
espanhol Felipe Gonzáles, disse que o partido “está velho, só pensa em
cargos e em ganhar eleição”. “Queremos salvar a nossa pele, nossos
cargos, ou queremos salvar o nosso projeto?”, questionou Lula, durante a
conferência “Novos Desafios da Democracia”. Nos dias subseqüentes às
declarações, enquanto o meio político tentava interpretar o gesto do
petista, o Planalto reagia a seu modo. Num primeiro momento, Dilma
minimizou.“Todos têm direito de fazer críticas, principalmente o
presidente Lula”. No dia seguinte, no entanto, Dilma orientou o ministro
da Comunicação Social, Edinho Silva, a procurar Lula para tentar
entender as razões de tamanha fúria. Paralelamente, o ex-presidente
tratou de se proteger. Articulou junto à bancada do PT no Senado a
divulgação de uma nota de desagravo a ele próprio. Criou, assim, mais
uma jabuticaba política: fez com que o partido atacado emitisse um
documento em apoio ao autor dos ataques. Na nota, o PT manifestou “total
e irrestrita solidariedade ao grande presidente Lula, vítima de uma
campanha pequena e sórdida de desconstrução de uma imagem que representa
o que o Brasil tem de melhor”. No fim da semana, ao perceber o ar
rarefeito, Lula mandou emissários espalharem o suposto reconhecimento de
que ele 'se excedeu”. Era tarde.
ELA TIRA O SONO DELE
Integrantes da Lava Jato querem investigar suposto depósito milionário
feito em Portugal pela amiga de Lula, Rosemary Noronha
Para o cientista político da USP, José
Álvaro Moisés, ao abrir confronto contra Dilma e o PT, Lula “jogou para a
plateia”. “Ele está vendo o navio fazer água, por isso age assim”,
avaliou. Para Oswaldo do Amaral, da Unicamp, ao dizer que o partido
precisa de uma renovação, Lula tenta uma reaproximação com o eleitorado
mais jovem, segmento hoje refratário a ele (leia mais em matéria na
página 46). O jornalista José Nêumanne Pinto, autor do livro “O que sei
de Lula”, no qual conclui que o ex-presidente nunca foi efetivamente de
esquerda, é mais contundente. Para ele, “Lula é sagaz e não tem
escrúpulo nenhum para mudar seu discurso”. “O ex-presidente tem
circunstâncias e conveniências que ele manipula”, afirmou. “Na verdade,
ele não quer se descolar do PT e sim da Dilma. Com esse discurso da
utopia, ele planeja atrair parte do PT que finge ser honesto”, disse.
O mais espantoso na catilinária lulista é
que o ex-presidente se comporta como se fosse um analista distante de
uma trama da qual é personagem principal. Numa analogia com o futebol,
recurso metafórico muito utilizado por Lula quando estava na
Presidência, seria como se o zagueiro e então capitão da seleção
brasileira David Luiz descrevesse os sete gols da Alemanha como se não
tivesse assistido entre atordoado e impassível ao baile de Toni Kroos,
Schweinsteiger e companhia em campo. No caso do ex-presidente há um
agravante: Lula nunca foi apenas um mero integrante do time, mas o
mentor, o grande líder e artífice da caminhada petista até aqui. Por
isso mesmo, causou ainda mais espécie a repreensão de Lula ao PT por sua
sede por cargos. Ora, o aparelhamento da máquina pública pelo PT e
aliados começou e recrudesceu durante os dois mandatos do petista.
Quando Lula chegou ao poder em 2003, havia 18 mil cargos de confiança na
administração federal. Ao transmitir o cargo para Dilma, em 2011, já
eram cerca de 23 mil.
Do mesmo modo, Lula não pode lamentar, como
fez em privado, que o crescimento do partido levou aos desvios éticos e
à corrupção – hoje marca indissociável ao PT. O escândalo do mensalão,
que resultou na condenação de dirigentes petistas em julgamento no STF,
remonta ao seu governo. E o processo de abertura da legenda, bem como à
rendição à política tradicional de alianças, baseada no fisiologismo e
no toma lá, da cá, beneficiou o próprio Lula. Sem isso, o ex-presidente
dificilmente se elegeria em 2002. Ao chegar ao Planalto, Lula cansou de
dar demonstrações de que não sabia separar o público do privado. A mais
chocante delas foi a ousadia de ornar os jardins do Alvorada com a
estrela rubra do PT. O limite entre o público e o privado foi
ultrapassado também quando Lula nomeou a amiga Rosemary Noronha para a
chefia de gabinete de um escritório da Presidência em São Paulo. Hoje,
Rosemary responde a uma ação na Justiça por formação de quadrilha,
tráfico de influência e corrupção passiva. Ela integraria um esquema de
vendas de pareceres técnicos de órgãos públicos federais. Agora, a
personagem muito próxima a Lula pode retornar ao noticiário numa outra
vertente das investigações da Lava Jato. Trata-se da retomada das
apurações do episódio envolvendo um suposto depósito milionário feito em
Portugal por Rosemary. Para a PF, o caso converge com a investigação
sobre a Odebrecht e a Andrade Gutierrez. É que Otávio Azevedo, preso na
14ª fase da Lava-Jato, foi representante da Portugal Telecom no Brasil. A
empresa de telefonia era em grande medida controlada pelo Grupo
Espírito Santo, parceiro da Odebrecht em vários empreendimentos em
território português. “Tudo converge para os mesmos personagens.
Se já houver outra investigação em curso,
também podemos colaborar”, afirmou à ISTOÉ um delegado ligado a Lava
Jato. Até hoje não se sabe o que houve com o ofício protocolado pelo
então deputado Anthony Garotinho (PR/RJ) sobre o périplo de Rosemary em
solo português. Em 2012, Garotinho denunciou o caso com base em relatos
de um ex-delegado federal. Rosemary, segundo essa fonte, teria
desembarcado em Lisboa com passaporte diplomático e autorização para
transportar uma mala. Ao chegar à alfândega, questionada sobre o
conteúdo da bagagem, teria revelado que transportava 25 milhões de euros
para depositar na agência central do Banco Espírito Santo no Porto.
Segundo a mesma versão, as autoridades alfandegárias sugeriram que ela
contratasse uma empresa de transporte de valores. Para executar o
serviço, a empresa Prosegur exigiu a contratação de um seguro, pelo que
Rosemary teve de preencher uma declaração com a quantia e a titularidade
dos recursos. Ela, então, teria identificado o próprio Lula como
proprietário do dinheiro.
Não restam dúvidas de que a explosão do
petista deriva principalmente dos rumos tomados pelas investigações da
Lava Jato nas últimas semanas. Mas seus recentes arroubos guardam
relação também com os resultados das últimas pesquisas de opinião. De
janeiro para cá, os levantamentos mostram a vertiginosa queda de
popularidade de Dilma e dele próprio, que já perderia para o senador
Aécio Neves se as eleições presidenciais fossem hoje. De acordo com o
último Datafolha, Aécio aparece com 10 pontos na frente de Lula. Segundo
a mesma pesquisa, o governo Dilma foi reprovado por 65% dos eleitores.
Este índice de reprovação só não é maior do que o do ex-presidente
Fernando Collor no período pré-impeachment, em setembro de 1992. Na
época, Collor era rejeitado por 68% dos brasileiros. No levantamento, o
governo Dilma é classificado como bom ou ótimo por apenas 10% dos
brasileiros. É a maior taxa de impopularidade da petista desde 2011. A
taxa de aprovação da presidente no Sudeste é de apenas 7%. No Nordeste,
histórico reduto eleitoral do PT, é de somente 14%.
Num cenário nada alvissareiro para Dilma
como o atual, em que ela está às voltas com um processo no TCU que pode
até levar ao seu afastamento, o pior dos mundos para ela seria um
rompimento com o padrinho político. Nesse cenário, Lula levaria com ele
para o outro lado da trincheira parte do PT que hoje critica severamente
a política econômica do governo. Se uma ruptura oficial é improvável, o
mesmo não se pode dizer de um racha na prática, mas não declarado. O
embrião do que pode vir a ser um contraponto ao governo surgiu na
quarta-feira 24, em reunião na casa do senador Randolfe Rodrigues, do
PSOL. Nela estavam presentes parlamentares do PSB e petistas de proa,
como o ex-governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, e o senador
Lindbergh Farias (RJ). No encontro, articularam o que chamam de “Frente
de Esquerda”. Se o movimento florescer, o grande responsável pela
ascensão e projeção política de Dilma – o ex-presidente Lula – poderá
ser também o principal artífice do seu irremediável isolamento.