Lembrai, lembrai, o cinco de novembro A pólvora, a traição e o ardil... por isso não vejo porque esquecer uma traição de pólvora tão vil!
sexta-feira, 15 de abril de 2016
O Brasil está conhecendo a direita, e a esquerda está desesperada
“Se eu fizesse ciência política [em universidade] no Brasil, não aprenderia nenhuma das citações deste livro”, diz Flavio Morgenstern, em referência a Por trás da máscara (Editora Record), obra em que se propõe a analisar os protestos de junho de 2013. Um dos expoentes da jovem intelectualidade brasileira de direita, que encontrou terreno fértil para se desenvolver na internet, Morgenstern (“estrela da manhã” em alemão, um nickname herdado dos tempos de chats online) se vale de pensadores conservadores como Ortega y Gasset, Thomas Sowell e Eric Hoffer para criticar as ações dos black blocs, expor semelhanças entre os métodos dos protestos brasileiros e os do Occupy Wall Street e apontar os riscos de totalitarismo naqueles movimentos de rua puxados pelo Movimento Passe Livre.
“A grande tese do meu livro é que aquilo foi um movimento de massa, sem foco ou objetivo claro, com uma pauta aberta (...) Quando está todo mundo com o mesmo slogan, quem aparecer dizendo que representa essas pessoas vai de fato passar a representá-las. Assim, a divisão de poderes some”, analisa em entrevista ao EL PAÍS o escritor e tradutor de 30 anos — sua descrição no portal do Instituto Millenium, think tank do pensamento liberal, acrescenta ator e designer free-lance ao currículo. Morgenstern estuda Letras-Alemão na Universidade de São Paulo (USP) e se formou analista político por conta própria.
Na conversa abaixo, o analista, que colabora com publicações como Gazeta do Povo e escreve em sites como Implicante e Instituto Liberal, diz que a “onda conservadora” por que o país passa é positiva, mas pondera que “o conservador quer conservar leis eternas, e não a sociedade como ela é”. O autor também aproveita para marcar posição em relação aos políticos brasileiros. “Esses livros [conservadores] que estão sendo lançados vão demorar até chegar à política. O que está acontecendo no Congresso não tem nada a ver com essa direita”.
Pergunta. Por que os brasileiros foram às ruas em junho de 2013?
Resposta. Ninguém sabe. É bizarro dizer isso, mas vários teóricos de esquerda dizem que o importante é ir para a rua; depois você discute por que está ali. A grande tese do meu livro é que aquilo foi um movimento de massa, sem foco ou objetivo claro, com uma pauta aberta. Num primeiro momento, houve a pauta dos transportes, que já vinha sendo mapeada pela esquerda brasileira há bastante tempo. Depois, virou movimento de massa. Isso vinha sendo tentado desde 2010, com outras manifestações, e finalmente desta vez eles conseguiram que essa pauta se tornasse chamativa para a população.
P. Você diz no livro que o Brasil esteve à beira do totalitarismo. Por quê?
R. Havia três milhões de pessoas nas ruas no Brasil, no principal dia de manifestações, gritando “quero saúde, educação, transporte, segurança”. Como o Estado vai te dar tudo isso? Ele precisa se agigantar e dominar a economia. Na hora em que você pede transporte de graça, o Estado precisa estatizar todas as companhias, proibir qualquer iniciativa particular e dominar tudo. Se ele vai fazer isso com todas as áreas, precisamos de um Estado muito maior do que a estrutura inchada que a gente já tem. Todos os movimentos de massa na história do mundo geraram totalitarismo. O grande risco de uma manifestação como essa é derrubar a ordem vigente. Os livros de esquerda que eu estava estudando antes de 2013 usam a palavra ruptura o tempo todo.
P. Se houve risco de totalitarismo no Brasil, por que ele não se confirmou?
R. Para ter ruptura, é preciso ter um confronto enorme. O maior risco estava nos confrontos com a polícia, que são provocados em busca de um apelo social que comprove que a ordem social está errada. E ocorreram agressões horrendas e absolutamente criminosas por parte da polícia. Ninguém gosta disso, é um perigo. Mas o pior confronto aconteceu, por coincidência, quando os aumentos de passagem estavam sendo revogados. O principal deles foi em Brasília, no Itamaraty. Foi estarrecedor e perigosíssimo, mas virou nota de rodapé de jornal. Por que uma manifestação sobre preço de passagem tem de ir para o Ministério das Relações Exteriores, e não, por exemplo, para o Ministério da Justiça, que fica do outro lado da rua? Como cuida de coisas ultramar, o Itamaraty é guardado pela Marinha. Se houvesse confronto entre manifestantes e Forças Armadas, duvido que dali a uma semana não teria acontecido um golpe. Provavelmente 99% da manifestação não sabia disso, mas a linha de frente sabia: se você tem uma cacetada entre um membro das Forças Armadas e um manifestante, ainda mais com o histórico de ditadura militar que nós tivemos, o Brasil hoje seria outro, seria difícil eu conseguir escrever um livro desses.
P. Mas teria de aparecer alguém para assumir o comando do país.
R. Exatamente, para salvar tudo. Meu grande problema com esse personalismo é que quando está todo mundo com o mesmo slogan, de que “o Brasil acordou”, “vem pra rua”, coisas genéricas, todo mundo concorda, todo mundo quer mais saúde, mais educação, tudo coisas muito abstratas, e quem aparecer dizendo que representa essas pessoas vai de fato passar a representá-las. Assim, a divisão de poderes some. Para que imprensa livre ou eleições se está todo mundo pensando a mesma coisa? O totalitarismo começa com esse discurso de participação nas ruas, esse ativismo cívico de micareta que acaba sendo péssimo.
P. O que diferencia as manifestações de 2013 para a manifestações contra o Governo federal neste ano?
R. Em 2015, a manifestação já não é mais aberta como foi em 2013. A manifestação de esquerda tem a ver com estatização, com poder, com democracia direta, com a força do Estado. Em 2015 há um fato claro, de a [presidenta] Dilma ter sido reeleita de uma forma muito controversa, sem representatividade. Quando isso acontece, ninguém aguentava mais, inclusive petistas de 30 anos de militância. Já são manifestações que têm a ver com o Fora Collor, as Diretas já, a Marcha da Família pela Liberdade, com um foco objetivo. Mesmo manifestações de esquerda, como a Marcha da Maconha, podem ter um foco claro. Concordando ou não com o tipo de demanda, elas são boas, porque pelo menos promovem discussão.
P. Os críticos das manifestações de 2015 se incomodaram com a aparente ordem dos manifestantes, inclusive com direito a fotografias ao lado de policiais.
R. A manifestação de 2013, que estava pautada pelo passe livre – uma pauta que não tem a confiança da população em geral – precisa do confronto com a polícia para sensibilizar a população. O Manuel Castells, um dos grandes ideólogos de esquerda, em seu último livro, chamado Redes de Indignação e Esperança, fala que é preciso trabalhar com sentimentos; o argumento vem depois. Esse tipo de manifestação precisa de um confronto com a ordem atual, para tomar a ordem para si. Já numa manifestação como a de 2015, esse confronto não é necessário. Quando você vê um policial ordenando a manifestação, você agradece. Daí surge o discurso de que essas pessoas gostam de polícia, de repressão, de violência. Mas é o contrário. Tudo que estou falando é que não gosto da Dilma, e não preciso de confronto.
P. Que esquerda é essa que você tanto critica no livro?
R. É uma ideologia, a mais hierarquizada e organizada das ideologias. Sua capacidade de formar partidos e dissidências dentro dos partidos é enorme. Hoje a esquerda brasileira é hegemônica na política. Você não vai ver um partido claramente de direita no Brasil. No máximo, dizem que não são de esquerda. O problema é que a população não é de esquerda. Ela pode não saber o que é direita, mas os valores da população são conservadores.
P. A que você atribui esse paradoxo?
R. Durante a ditadura militar [1964-1985], havia uma resistência de esquerda, que ganhou um prestígio enorme por causa disso. Os ditadores optaram por combater a guerrilha, mas deixaram as universidades livres. Era a teoria da panela de pressão, para não estourar. Com isso, houve um grande apelo da esquerda na universidade brasileira. A partir desse momento, eles entopem as universidades e se tornam os intelectuais públicos, que dão opiniões para cima e para baixo contra um inimigo comum: a ditadura brasileira — apesar de serem a favor da ditadura do proletariado. Em compensação, a esquerda perdeu muito desse prestígio depois que o Lula chegou ao poder, com o mensalão, a eleição da Dilma e, depois, essa reeleição que resulta em baixíssima aprovação.
P. O que você sente quando escuta que o Brasil passa por uma “onda conservadora”?
R. Eu acho muito positivo. A palavra “conservador” é muito assustadora no Brasil, mas eu não conheço praticamente ninguém que tenha pegado um livro de filosofia conservadora para tentar entender. Essas pessoas tentam tirar o significando de conservador da própria palavra: conservador seria querer conservar o mundo como está. Só que o mundo é injusto, errado, tem um monte de problema. Na verdade, o conservador quer conservar leis eternas, e não a sociedade como ela é. As sociedades conservadoras são as que mais progrediram em termos de tecnologia e valores: Áustria, Canadá, Austrália, Inglaterra, [Estados Unidos da] América, Suíça, todos conservadores. Os outros países é que estão parados no tempo. Essa “onda conservadora” que acontece no Brasil é na verdade uma onda restauradora. A gente quer progredir, não ficar no mesmo discurso.
P. De onde vem essa onda conservadora?
R. O Brasil está conhecendo uma intelectualidade de direita, e a esquerda está desesperada. Apesar da mentalidade conversadora no Brasil — que paradoxalmente adora o Estado —, a intelectualidade é de esquerda. Uma intelectualidade que escorraçou a direita da universidade, que não dialoga. Com a internet e as redes sociais, agora nós temos acesso aos grandes intelectuais de direita, principalmente de fora do Brasil. Olha a lista de mais vendidos de qualquer livraria: é só livro de direita na parte de não-ficção.
P. O Brasil está melhorando ou piorando?
R. Para afirmar que o Brasil está melhorando eu teria de dizer que o [senador e ex-presidente Fernando] Collor melhorou o Brasil porque gerou uma crise e foi deposto. O Brasil está muito ruim. Não é uma crise de representatividade, mas de modelo, da mentalidade brasileira, de amar o Estado e odiar político, de querer que o Estado dê tudo, mas não gostar de corrupção ou de pagar imposto. Estamos forçados a escolher um caminho. A grande questão é que as respostas boas, que são antigas pra caramba, estão demorando para aparecer. Essa “onda conservadora” aparece para dizer: “pense em algo em que as pessoas formadas em universidade depois da ditadura nunca tiveram conhecimento", algo fora da solução estatal, do pensamento único, do slogan.
P. Você se considera portador de um discurso de ódio?
R. Expressões como “discurso de ódio” e “distribuição de renda” e palavras como “intolerância” e “preconceito” são associadas a sentimentos vindos do pensamento de esquerda. Ao invés de analisar fatos concretos, como assassinatos, roubos, corrupção, etc, parte-se para o abstrato. Como definir o que é ódio? Ou preconceito ou intolerância? Se ocorre uma invasão militar em um país que está praticando mutilação genital feminina, isso é feminismo ou imperialismo? Não tem uma definição clara, são palavras abstratas. A forma de a esquerda argumentar sem precisar de argumentos é chamar de discurso de ódio, de preconceito, intolerância, gritar "fascismo", associar à ditadura.
P. A pauta conservadora que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, conduziu no parlamento ao longo do primeiro semestre tem algo a ver com a produção intelectual da direita no Brasil hoje?
R. São coisas distintas. Não vejo nenhum dos congressistas lendo esses livros. São pessoas que estão em busca de poder e enxergam uma brecha no pós-PT. A redução da maioridade penal deve ser o único assunto que me parece ir além dessa disputa por poder. Com 64.000 homicídios por ano, esse se tornou um tema urgente, sobretudo para os pobres. As celebridades dizem que reduzir a maioridade penal é racismo, mas quem mais sofre com criminalidade é pobre, pois eles moram em comunidades violentas. Esses livros [conservadores] que estão sendo lançados e traduzidos vão demorar pra caramba até chegar à política. O que está acontecendo no Congresso não tem nada a ver com essa onda conservadora, com essa direita que anda surgindo.
P. Por que você não se formou em ciência política, sociologia ou algum curso que lhe ajudasse a fazer análises políticas?
R. Não pretendo fazer nada academicamente em relação à ciência política. Letras eu faço por conhecimento e humor, já que não consigo levar a USP a sério – pelo menos o curso que eu faço. Se eu fizesse ciência política no Brasil, não aprenderia nenhuma das citações deste livro. Tem professor que explode, que entra em choque epistemológico e desaparece no ar se ler algo deste livro. Na universidade brasileira — e é algo que está acontecendo mesmo nas melhores universidades centenárias ao redor do mundo — não só o debate livre não existe, como se finge que a outra parte não existe. A crítica literária é marxista, pós-marxista ou pós-pós-marxista. Quando o professor ouve o nome de um crítico não-marxista, que ele não conhece, nem considera.
Fonte: Jornal El Pais(BR)
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